quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Guerra

Somos todos batalhas - intimas e declaradas.
Somos matéria viva amordaçada.
Enquanto os vencidos erguem-se como vencedores...
....nós sobrevivemos.

Nessa guerra difusa e cruel, eu quero é almar!

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Pois é Governador

É revoltante observar como as autoridades do Estado de São Paulo tratam seus cidadãos. Para o nosso Ilustre Governador ações judiciais são o caminho mais curto para resolver problemas bem mais profundos - simplesmente criminalizando todo e qualquer movimento da sociedade civil, seja por melhoria das condições de ensino e trabalho nas escolas públicas ou no sistema metroviário, seja pela manifestação de um desejo de parte da sociedade em discutir a liberação do uso da maconha. Não interessa quais são os motivos da população: parou o trânsito? Aciona o juiz e chama a polícia!!

Governador de São Paulo comenta a greve dos metroviários de São Paulo.

Pois é Governador. Esse "grupelho radical" não é o responsável pelo planejamento do transporte público: os indivíduos que participam desse "grupelho radical" são cidadãos, sindicalistas e trabalhadores; são parte daquele grupo de pessoas que Vossa Excelência finge estar preocupado. No entanto enfrentam diariamente condições humilhantes para simplesmente poder chegar ao trabalho, utilizando ônibus e metrôs pra lá de lotados. Sem falar nas regiões mais periféricas da cidade, onde o transporte é escasso e ainda mais ineficiente.

Pois é Governador. Sabemos que sua verdadeira preocupação é que a massa esteja lá para garantir que a roda não pare de girar, que seu banheiro esteja limpo e que sua comida esteja na mesa na hora de almoçar com empresários mais chegados.

Vossa Excelência chama os grevistas de "grupelho radical" para mais tarde legitimar as ações judiciais, as prisões e as bombas de efeito moral. E eu lhe pergunto: quem é que pune os trabalhadores de São Paulo Governador?

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Como Assim?!? Eu não conhecia o Jessé Souza!!

Lendo uma reportagem sobre sobre a "Nova Classe Média" e os estudos recentes sobre o tema, conheci o trabalho de Jessé Souza. Lembrei de quando, aproximadamente 15 anos atrás eu li o texto Raça e História de Claude Levi-Strauss (1952), e fiquei tão impactada por seus argumentos anti-racistas, que me vi completamente seduzida pela antropologia; "isso era tudo o que eu queria dizer" pensei na época.

Agora, sequer li a obra do Jessé - somente o trecho de um livro e uma entrevista - e já me sinto totalmente conquistada. Obviamente me sinto uma tonta porque nunca ouvi falar dele. Essa é uma boa leitura para todo brasileiro incomodado que busca compreender a realidade injusta do nosso país. Novamente uma identificação tamanha: se é para ser intelectual, quero ser assim, motivada pela realidade crua, compromissada com a transformação.

A quem possa interessar o texto de Levi-Strauss encontra-se aqui: 

Para consultar a produção bibliográfica do Jessé:

Abaixo, segue a entrevista que Jessé concedeu à Folha de São Paulo em 13/02/2011.

Por Uirá Machado

Autor do livro "Os Batalhadores Brasileiros", o sociólogo Jessé Souza afirma que a ascensão social de 30 milhões de pessoas no governo Lula não produziu uma "nova classe média", mas uma classe social diferente, que ele chama provocativamente de "batalhadores". Assim como fizera em seu livro anterior, Souza procura determinar as características dessa classe por um recorte diferente do que ele chama de economicista e quantitativo, fugindo tanto de análises pelo consumo e renda quanto de abordagens marxistas "unidimensionais". Abaixo, trechos da entrevista sobre a classe que, para ele, "parece se constituir, com o resgate social da ralé, na questão social, econômica e política mais importante do Brasil contemporâneo".

Folha - Após lançar o livro "A Ralé Brasileira", o senhor agora publica "Os Batalhadores Brasileiros". Qual a diferença entre a "ralé" e os "batalhadores"?
Jessé Souza - Os dois livros se enquadram no projeto de longo prazo de estudar as classes sociais mais importantes do Brasil contemporâneo de maneira não economicista e quantitativa, como sempre acontece. Quando falo em estudos economicistas, penso tanto nas descrições estatísticas baseadas em níveis de consumo e renda quanto nas descrições marxistas fundadas numa leitura unidimensional da realidade.Alguns desses estudos são importantes como ponto de partida descritivo, mas o que nenhum deles oferece é uma leitura sociocultural da realidade que nos possibilite compreender o principal: a produção diferencial de seres humanos a partir do pertencimento a classes sociais distintas. Ainda que a renda seja um componente importante do pertencimento de classe, pessoas muitos diferentes podem ter renda semelhante. 
Para que possamos explicar e compreender uma realidade social complexa é necessário penetrar na dimensão mais recôndita das motivações profundas do comportamento social e nos dramas, sonhos, angústias e sofrimentos humanos que elas implicam. O ganho em compreensão em relação a uma realidade opaca e complexa é insofismável. Acredito que, por conta desse tipo de interesse instruído teórica e metodologicamente, foi possível perceber, talvez pela primeira vez, a existência do um terço de brasileiros excluídos como uma única classe, ou seja, pelo estudo dos pressupostos afetivos, morais e emocionais que explicam a origem, a manutenção e o destino social provável às pessoas dessa classe específica. No caso da "ralé", formada pela ausência dos pressupostos que permitem a incorporação das capacidades exigidas pela sociedade competitiva moderna, é possível perceber a irmandade entre pessoas que moram no interior do Piauí ou na periferia de São Paulo quando a regra é a fragmentação e, portanto, a cegueira da percepção. É essa cegueira que percebe essa classe de abandonados sociais apenas no registro espetacularizado e manipulador da oposição polícia/bandido, aprofundando todos os preconceitos das classes do privilégio contra esses esquecidos, explorados como mão de obra barata por esses mesmos privilegiados. O ganho em termos de uma percepção alternativa, totalizadora e crítica da realidade social como um todo não é pequeno. No caso dos "batalhadores", esse mesmo ponto de partida nos permitiu, na contramão dos estudos dominantes sobre esse assunto, perceber tanto o potencial de chance e de oportunidade que efetivamente existe nessa nova classe que se constitui defronte os nossos olhos quanto articular a dimensão do sofrimento e dor humanos sistematicamente silenciados por uma leitura superficial e triunfalista da realidade.


Em seu livro, o senhor questiona a afirmação de que o governo Lula alçou 30 milhões de brasileiros à classe média e diz até que se trata de uma mentira. Por quê?
Eu não nego que houve uma efetiva ascensão social de 30 milhões de brasileiros nem que esse fato seja extremamente importante e digno de alegria. O que questiono é a leitura dessa classe como uma classe média. A classe média é uma das classes dominantes em sociedades modernas como a brasileira porque é constituída pelo acesso privilegiado a um recurso escasso de extrema importância: o capital cultural nas suas mais diversas formas. Seja sob a forma de capital cultural técnico, como na "tropa de choque" do capital (advogados, engenheiros, administradores, economistas etc.), seja pelo capital cultural literário dos professores, jornalistas, publicitários etc., esse tipo de conhecimento é fundamental para a reprodução e legitimação tanto do mercado quanto do Estado. Consequentemente, tanto a remuneração quanto o prestígio social atrelados a esse tipo de trabalho - e da condução de vida que ele proporciona - são consideráveis.
A vida dos "batalhadores" é completamente outra. Ela é marcada pela ausência dos privilégios de nascimento que caracterizam as classes médias e altas. E, quando se fala de "privilégios de nascimento", não se está falando apenas do dinheiro transmitido por herança de sangue nas classes altas. Esses privilégios envolvem também o recurso mais valioso das classes médias, que é o tempo. Afinal, é necessário muito tempo livre para incorporar qualquer forma de conhecimento técnico, científico ou filosófico-literário valioso. Os batalhadores, em sua esmagadora maioria, precisam começar a trabalhar cedo e estudam em escolas públicas muitas vezes de baixa qualidade. Como lhes faltam tanto o capital cultural altamente valorizado das classes médias quanto o capital econômico das classes altas, eles compensam essa falta com extraordinário esforço pessoal, dupla jornada de trabalho e aceitação de todo tipo de superexploração da mão de obra. Essa é uma condução de vida típica das classes trabalhadoras, daí nossa hipótese de trabalho desenvolvida no livro que nega e critica o conceito de "nova classe média".


Qual o ganho analítico de enxergar os batalhadores como uma classe diferente da classe média tradicional? E quais as implicações que essa diferenciação traz para o governo Dilma?
O ganho é tanto analítico quanto político.
Essa diferenciação permite, em primeiro lugar, perceber a realidade social como ela é, com suas ambiguidades e contradições constitutivas. Depois, como em toda leitura sóbria da realidade, ela possibilita criticar todo tipo de manipulação política ou de leitura triunfalista da realidade. Com relação não apenas ao governo Dilma, mas em relação ao futuro do Brasil, essa nova classe de trabalhadores, típica do novo tipo de capitalismo financeiro que logrou se globalizar, parece se constituir - com o resgate social da ralé - na questão social, econômica e política mais importante do Brasil contemporâneo. Para mim, existem duas alternativas possíveis: a primeira é essa classe ser cooptada pelo discurso e prática individualista e socialmente irresponsável que caracterizam boa parte das classes dominantes no Brasil; a segunda alternativa é essa classe assumir um papel de protagonista e inspirar, pelo seu exemplo social, a efetiva redenção daquela classe social de humilhados sociais que chamo provocativamente de ralé. Muitos dos batalhadores que entrevistamos vinham, inclusive, da própria ralé, mostrando que as fronteiras entre as classes são fluidas e que não existem classes condenadas para sempre. Esse ponto me parece fundamental, já que é precisamente a existência desses abandonados sociais - e não qualquer tipo de patrimonialismo advindo de um suposto "mal de origem" português, como ainda hoje acredita nossa ciência social dominante - o que nos separa das sociedades mais igualitárias e socialmente mais justas do globo.


Quando o senhor afirma que os batalhadores alcançaram um "lugar ao sol à custa de extraordinário esforço", o senhor não está assumindo a tese do mérito individual, a qual o senhor habitualmente critica?
Quando critico a ideologia do mérito individual, não estou negando a extraordinária importância do esforço individual, nem, muito menos, a necessidade de reconhecimento social efetivo para os desempenhos singulares em qualquer área da vida. Qualquer noção de justiça social moderna tem que articular responsabilidade social e reconhecimento dos desempenhos singulares e extraordinários. Há que proteger tanto a ideia de que somos responsáveis uns pelos outros quanto estimular o esforço pessoal.
Quando critico a ideia de mérito individual, é apenas pelo seu uso amesquinhado como ideologia, ou seja, como falsa percepção da realidade. É muito diferente quando uma classe inteira de privilegiados de nascimento, com boas escolas, estimulados em casa o tempo todo, com tempo livre desde sempre para fazer o que bem entende e dinheiro para investir em cursos de línguas e pós-graduações valorizadas, chama o próprio sucesso de mérito individual e ainda acusa as classes que não tiveram acesso a qualquer desses privilégios sociais de preguiçosos, burros e culpados pelo próprio fracasso. A tese do mérito individual que crítico é, portanto, herdeira do modo como o liberalismo sempre foi recebido no Brasil: um discurso para legitimar os privilégios de nascimento das classes abastadas, como se esses privilégios decorressem do esforço apenas de indivíduos, e não da herança de sangue e de classe.
No estudo dos batalhadores, o que impressionou foi o extraordinário esforço de superação de condições efetivamente adversas, todas contribuindo antes ao desânimo e ao desespero do que ao enfrentamento corajoso das condições negativas ao sucesso social e econômico.
O título do livro foi uma homenagem à luta cotidiana e silenciosa desses brasileiros. Este termo "batalhadores" sinaliza o fato de que o que perfaz o cotidiano dessas pessoas é a necessidade de "matar um leão por dia" como forma de vida de toda uma classe social que tem que lutar diariamente contra o peso da própria origem.


Nos casos empíricos de seu livro, há operadores de telemarketing, uma profissão relativamente nova, e feirantes, ocupação bem antiga. Como as duas funções aparecem juntas para caracterizar tipos de uma nova classe social que é tão conforme o modelo atual do capitalismo?
Para responder a esta pergunta, temos que compreender, antes de tudo, ainda que sucintamente, o que significa "modelo atual de capitalismo", de modo a podermos compreender de maneira mais adequada como essa "nova classe trabalhadora" se torna, não só no Brasil, mas em todos os países emergentes, como China e Índia, sua classe suporte, como diria Max Weber, mais típica.
O que hoje é chamado por muitos de "capitalismo financeiro" representa um movimento que começa nos anos 80 no mundo e se propaga nos anos 90 entre nós. O pano de fundo desse movimento eram taxas de lucro decrescentes em nível mundial já havia décadas. Mas as mudanças não foram apenas nem principalmente de retórica política. Elas comandaram transformações profundas tanto na forma de produção de todo tipo de mercadoria quanto no regime de trabalho. Ao fim e ao cabo, o conjunto de mudanças apontou no sentido de um aumento da velocidade de circulação do capital, em grande medida determinado pelos cortes com gastos de controle e supervisão de trabalho, que caracterizavam a produção do tipo fordista tradicional, como existe ainda hoje, por exemplo, em algumas indústrias automobilísticas. Amplos setores da produção de mercadorias de todo tipo são realizados agora por trabalhadores em fábricas a céu aberto ou pequenas unidades familiares que se acreditam, inclusive, empresárias de si próprias, o que explica, também, que o epíteto de "nova classe média" tenha caído tão rápido no gosto de todos, inclusive dos próprios batalhadores. 
Na verdade, o capital financeiro que flui sem qualquer controle por todos os pontos do globo pode, agora, se valorizar a taxas de lucros e juros sem precedentes também a partir de atividades realizadas por um exército mundial de trabalhadores  - que abundam precisamente nos países populosos ditos emergentes - sem direitos trabalhistas, sem passado sindical e sem tradição de lutas políticas, que muitas vezes não pagam impostos, que trabalham de dez a 14 horas ao dia e ainda nem sequer precisam de capatazes ou supervisores, porque se acreditam "livres" e patrões de si mesmos. Essa mudança abrange não apenas as "novas atividades", como as da informática, mas também redefinem e transformam, inclusive, atividades tradicionais, como a dos feirantes.


Quais são os valores dessa classe batalhadora?
Em primeiro lugar, há que ficar bem claro que uma pesquisa sobre valores sociais profundos, como a que realizamos, não pode imaginar que esses valores sejam de fácil acesso e estejam na cabeça das pessoas de modo claro e óbvio. Ao contrário, como diria Max Weber, a primeira necessidade dos seres humanos não é a de dizer a verdade - muito menos a verdade sobre si mesmos -, mas sim justificar e legitimar a vida que realmente levam. Por conta disso, uma pesquisa de sociologia crítica é diferente de uma pesquisa meramente quantitativa. Nas pesquisas quantitativas podemos saber, por exemplo, em quem as pessoas vão votar ou que sabonete elas usam, precisamente porque suas autoimagens quase nunca estão em jogo nesse tipo de questão. Quem se interessa em perceber os estímulos mais profundos da conduta social, ao contrário, tem que realizar um esforço interpretativo e hermenêutico que as pesquisas quantitativas comuns não fazem e perceber os valores na prática cotidiana efetiva da vida das pessoas. Afinal, valores são aquilo que nos conduzem para um lado e não para outro da vida, mesmo que de modo pré-reflexivo ou inconsciente.
Nós optamos por analisar a vida no trabalho e na família de nossos informantes, de modo a retirar dessas esferas fundamentais os impulsos e estímulos práticos - os tais "valores" na nossa visão - da conduta de vida. Neste particular, o horizonte valorativo dos batalhadores pode ser mais bem percebido no confronto com os membros da ralé. A principal diferença em relação aos excluídos e abandonados sociais é a constituição de uma ética articulada do trabalho duro. Afinal, não basta querer trabalhar em qualquer área da vida. É necessário também poder trabalhar, ou seja, ter logrado incorporar (literalmente "tornar corpo", de modo pré-reflexivo e automático) os pressupostos emocionais e morais do trabalho produtivo no mercado competitivo. O capitalismo atual pressupõe crescente incorporação de distintas formas de conhecimento e de capital cultural como porta de entrada em qualquer de seus setores competitivos. Como esses pressupostos faltam por diversos motivos à ralé, esta é condenada aos trabalhos braçais ou com mínimo de conhecimento, servindo, portanto, de mão de obra barata para qualquer serviço duro, desvalorizado e pesado. Esse não é o único horizonte dos batalhadores. Os batalhadores são quase sempre vindos de famílias pobres, mas, no entanto, bem estruturadas, com os papéis de pais e filhos reciprocamente compreendidos, exemplos de perseverança na família e estímulo consequente - baseado em exemplos concretos - para o estudo e para o trabalho.
Temos nas famílias dessa classe a incorporação e internalização efetiva da tríade disciplina, autocontrole e pensamento prospectivo que sempre está pressuposta tanto em qualquer processo de aprendizado na escola quanto em qualquer trabalho produtivo no mercado competitivo. Sem disciplina e autocontrole é impossível, por exemplo, concentrar-se na escola - daí que os membros da ralé diziam repetidamente que "fitavam" o quadro negro por horas sem aprender.
Essa "virtude" não é natural, como pensa a classe média que universaliza indevidamente às outras classes suas virtudes e privilégios para depois culpar a vítima do abandono social, como se o abandono e a miséria fossem uma escolha. Por outro lado, sem pensamento prospectivo - ou seja, a visão de que o futuro é mais importante do que o presente -, não existe sequer a possibilidade de condução racional da vida pela impossibilidade de cálculo e de planejamento e pela prisão no aqui e agora. No caso dos batalhadores, a incorporação dessa economia emocional e moral mínima é duramente conquistada, às vezes no horizonte do aprendizado familiar, às vezes tardiamente, nas mais diversas formas de socialização religiosa. Assim, ainda que falte a essa classe o acesso às formas mais valorizadas de capital cultural - monopólio das "verdadeiras" classes médias -, não lhes falta força de vontade, perseverança e confiança no futuro, apesar de todas as dificuldades. Em um contexto minimamente favorável, como o que vivemos até agora, esse exército de batalhadores se mostra então disponível e atento à menor possibilidade de trabalho rentável e de melhoria das condições de vida por meio, por exemplo, do consumo de bens duráveis que antes lhes eram inatingíveis.


Durante as eleições deste ano, alguns debates ganharam fortes contornos religiosos, como foi o caso da discussão sobre o aborto. A religião é mais importante para os batalhadores do que para a classe média tradicional?
O tema da religião é tão importante para essa classe que até dedicamos toda uma parte do livro a esta temática. Além disso, a socialização religiosa dessa classe perpassa boa parte dos textos construídos a partir das análises empíricas.
É preciso cuidado com esse tema, já que ele pode servir para que se construa uma nuvem de preconceitos contra essa classe. É, sem dúvida, correto que as religiões evangélicas  -como, aliás, todas as religiões em alguma medida - exigem o sacrifício do intelecto, o que, efetivamente, não ajuda no exercício da tolerância nem no desenvolvimento das capacidades reflexivas dos seres humanos. Em troca, no entanto, essas religiões oferecem o que a sociedade como um todo, o Estado ou mesmo algumas das famílias menos estruturadas dessa classe jamais deram a eles: confiança em si mesmos, autoestima, esperança e a força de vontade para vencer as enormes adversidades da vida sem privilégios de nascimento. Nesse sentido preciso, tudo leva a crer que a religião seja efetivamente mais importante para esses setores do que para as classes médias estabelecidas, ainda que nunca tenhamos feito nenhum estudo sistemático. Mas me parece uma hipótese plausível. E não apenas as religiões evangélicas, que são muito importantes especialmente nos núcleos urbanos. Também a religião católica, no interior do Nordeste, ainda muito forte e atuante, cumpre uma função fundamental de baluarte da solidariedade familiar e como fundamento de uma ética do trabalho em muitos aspectos semelhantes à ética do protestantismo.


Se é verdade que a classe batalhadora não é uma classe média em sentido tradicional, e se aí vai uma crítica, não é possível ao menos imaginar que os filhos dos "batalhadores" terão melhores oportunidades que seus pais? Nesse sentido, a crítica não perderia sua força? Não é possível imaginar que a ascensão à classe média se dará em "duas etapas"?
Sem dúvida que isso é possível. Até porque o Brasil é um país singular no sentido de ser extremamente desigual e, ao mesmo tempo, apresentar forte mobilidade social muitas vezes ascendente. É preciso, no entanto, também levar em consideração que uma concepção sociocultural das classes sociais implica a percepção de que as mudanças sociais tendem a preservar aspectos importantes da história e da tradição das classes sociais envolvidas nessas mudanças.
Como nos constituímos como seres humanos de modo antes de tudo afetivo e emocional, pela incorporação insensível e pré-reflexiva daquilo e de quem amamos, somos sempre muito mais parecidos com nossos pais - ou de quem quer que tenhamos recebido afeto e amor - do que as vezes muitos imaginam. Mas o que é importante é que as mudanças sociais e pessoais são, sim, sempre possíveis. Mais importante ainda é lembrar que as mudanças sociais jamais acontecem apenas pelo jogo das variáveis econômicas. O aprofundamento dos processos de aprendizado social e político que o Brasil começa a realizar são também fundamentais para a constituição de uma sociedade em que todos tenham efetiva condição de participar da competição social com um mínimo de igualdade de condições, que é o que muitos entre nós desejam.


A nova classe batalhadora faz surgir um novo tipo de preconceito no Brasil?
Sem dúvida. Basta olhar qualquer das revistas que analisam o padrão de consumo dessa classe sob a égide da visão de mundo da classe média estabelecida. Ela aparece sempre como um tanto vulgar e sem o "bom gosto" que caracterizaria os estratos superiores. Como regra geral, as classes superiores se veem sempre como as "classes do espírito", da personalidade refinada e sensível, e percebem as classes baixas como as "classes do corpo" e, portanto, rudes, primitivas e sem refinamento.


Uma das características dos "batalhadores" parece ser a precariedade da situação econômica e social. De que forma o governo pode melhorar ou piorar a situação dessa classe?
Eu acho fundamental o aprofundamento mais consequente tanto da política social - no sentido de que apenas uma pequena ajuda econômica tópica não irá retirar o um terço de brasileiros da exclusão e do abandono - quanto de políticas de crédito e de estímulo aos batalhadores. A "parte de baixo" da população brasileira tem demonstrado sobejamente que consegue transformar qualquer pequena ajuda em progresso social e econômico significativo que interessa e beneficia a todos os setores da sociedade inclusive os superiores.


terça-feira, 15 de maio de 2012

os rótulos e o controle social

Outsiders foi um estudo pioneiro de antropologia urbana, publicado pela primeira vez no início da década de 60 nos Estados Unidos. Este livro inaugurou os estudos do "desvio social" (ou "delinquência"), propondo investigar os processos pelos quais a sociedade cria normas e reage às suas transgressões. O mais interessante é que a explicação deixava de se basear em premissas morais para destacar o caráter interacionista de todos os participantes envolvidos numa transgressão. Ou seja: o comportamento desviante (ou criminoso) é em primeiro lugar, aprendido socialmente e não um produto de "personalidades falhas" de cada indivíduo; depois, o autor demonstra como o contexto, o grupo social, os fatores psicológicos e, principalmente, a rotulação e a definição das pessoas enquanto "marginais" ou "delinquentes" são fatores igualmente importantes na emergência do desvio de comportamento.

Vale lembrar: rotular pode parecer uma brincadeira inocente, mas de inocente não tem nada. Rótulo é controle; fundamenta políticas.

Aqui vai um trechinho e as referências bibliográficas:
"As teorias interacionistas do desvio (...) prestam particular atenção a diferenciais no poder de definir; no modo como um grupo conquista e usa o poder de definir a maneira como outros grupos serão considerados, compreendidos e tratados. Elites, classes dominantes, patrões, adultos, homens, brancos - grupos de status superior em geral - mantêm seu poder tanto controlando o modo como as pessoas definem o mundo, seus componentes e suas possibilidades, e também pelo uso de formas mais primitivas de controle (...). O ataque à hierarquia começa com uma ofensiva a definições, rótulos e concepções convencionais de quem é quem e o que é o quê". (BECKER, Howard S. Outsiders; Estudos de sociologia do desvio. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. Pp. 204)


terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

"O sistema financeiro corrompeu a política e deu as costas à sociedade" (Inside Job)

Saudações!

Mais uma vez me deparo com as notícias sobre a Grécia: "FMI pode contribuir com 13 bi de euros em novo socorro", "União Européia quer aumentar vigilância sobre os sistemas financeiros", "Para UE e FMI, dívida grega pode se descontrolar de novo" e por ai vai.


Ao ver as notícias sobre a Grécia, lembrei da Islândia. No filme Inside Job o documentarista Charles Ferguson mosta que, ao abrir a economia para o sistema financeiro mundial, a Islândia permitiu que sua economia passasse a se basear na especulação e não somente na produção... Os bancos estrangeiros passaram a lucrar com o país, que perdeu toda a sua estabilidade econômica e o social começou a ir para o brejo. O país conheceu o desemprego, as pessoas começam a perder suas casas e o resto do processo a gente conhece bem.

Eu recomendo o filme do Ferguson, Inside Job. Você pode ver o trailer aqui:

Aqui tem uma entrevista que o diretor deu para o conta corrente:

Não sou economista e sinceramente, não entendo o que acontece... E nem vou entender tão fácil. Na escola aprendi que o dinheiro representava, literalmente, um bem... Ele tinha um quê de 'concretude' tipo tantos 'dinheiros' representa uma casa, uma moto, por exemplo. O Tesouro Nacional, deve representar tudo o que o Brasil tem, ou produz, como as exportações de soja, o petróleo e o pré-sal, a quantidade de serviços gerados e prestados pelos cidadãos... Certo? Não sei.

Até onde consigo entender o sistema financeiro é literalmente virtual. Seguramos o preço do dólar aqui, os investidores externos farão tal coisa alí, a inflação cairá e.... E eu, cá na minha ignorância, não enxergo muito bem a concretude da produção; jamais saberei de fato quanto vale o quilo do feijão.

A novela da Grécia é a novela de todos nós e ela não vai sair dessa porque o barco começou a afundar faz tempo. Estaremos todos chafurdando na lama porque o sistema financeiro dita a política mundial. O que interessa é a manutenção do capital (agora também financeiro) e não o bem estar social. Simples: aperta a Grécia porque o importante é 'ajustar as contas' do Estado visto e tratado como empresa.

P.S. Se meu entendimento sobre o sistema financeiro é muito raso, agradeço à sua linguagem - que, como a da justiça, é utilizada para excluir os simples mortais do pleno entendimento. É ferramenta de dominação. O mundo produz muito mais comida do que o necessário para alimentar a população mundial - e no entanto, a fome assola milhões de pessoas. A bolsa de valores dita as regras para quem, onde e como essa comida será distribuída; e muitas vezes vale mais a pena para os investidores queimar tudo, deixar estragar ou jogar fora, do que fazê-la chegar às pessoas que necessitam.

sábado, 18 de fevereiro de 2012

Carta dos Povos do Cerrado

À Sociedade Brasileira

Nós, extrativistas, agroextrativistas, agricultores familiares, assentados, mulheres quebradeiras de coco babaçu, vazanteiros, ribeirinhos, geraizeiros, retireiros e pescadores dos estados de Goiás, Minas Gerais, Bahia, Mato Grosso, Tocantins, Maranhão e Piauí, reunidos na cidade de Goiânia nos dias 1 e 2 de fevereiro de 2012, após avaliação e análise criteriosa do que vem ocorrendo nos cerrados brasileiros, vimos a público informar e exigir providências imediatas diante da grave situação que se encontra esse bioma e seus povos. Para isso destacamos:

  • Até hoje, tanto o Executivo como o Legislativo sequer se dignaram a votar o pleito antigo dos Povos dos Cerrado de considerar nosso bioma como Patrimônio Nacional como são reconhecidos a Amazônia, o Pantanal e a Mata Atlântica. Por quê? Por quê?
  • Ignora-se que esse bioma detém mais de um terço da diversidade biológica do país?
  • Ignora-se que é no Cerrado que se formam os rios que conformam as grandes bacias hidrográficas brasileiras como a do São Francisco, a do Doce, a do Jequitinhonha, a do Jaguaribe, a do Parnaíba, a do Araguaia/Tocantins, do Xingu, do Tapajós e Madeira (da bacia amazônica), além dos formadores da bacia do Paraguai e do Paraná/bacia do Prata?
  • Ignora-se que estão relacionadas ao Cerrado as duas maiores áreas alagadas continentais do planeta, ou seja, o Pantanal e o Araguaia?
  • Ignora-se, como disse Guimarães Rosa, que o Cerrado é uma caixa d’água?

O que mais se precisa para reconhecer esse rico bioma como patrimônio nacional? Por que não? Por que não?

  • Ignora-se que esse bioma é o único bioma que tem vizinhança com todos os outros biomas brasileiros (com a Amazônia, com a Caatinga, com a Mata Atlântica, com a Mata de Araucária)?
  • Ignora-se que somente essas áreas de contato correspondem a 14% do território brasileiro que somados aos 22% do bioma Cerrado correspondem a 36% do nosso território?
  • Ignora-se que esses 14% do território de contato com o bioma Cerrado a outros biomas são áreas de enorme complexidade e ainda maior diversidade biológica?
  • Ignora-se que nessas áreas, particularmente, o conhecimento em detalhe, o conhecimento local, é de enorme valia e que o Brasil detém um acervo enorme desse conhecimento com suas populações camponesas, indígenas e quilombolas que, assim, se mostram importantes para a sociedade brasileira, para a humanidade e para o planeta?

Não se pode ignorar tudo isso que clama por reconhecimento. Exigimos tanto do Executivo quanto do Legislativo que reconheçam o Cerrado, enfim como Patrimônio Nacional. Mesmo assim cabe a sociedade brasileira e a humanidade indagar porque o Cerrado continua sendo esquecido.

De nossa parte, como populações extrativistas e agroextrativistas do Cerrado temos envidados nossos melhores esforços para que tenhamos uma política socioambiental, justa, democrática e responsável.

Aprendemos com nossos irmãos amazônicos, sobretudo com os seringueiros e seu líder Chico Mendes que não há defesa de nenhum bioma sem seus povos. É de Chico Mendes a máxima, “não há defesa da floresta, sem os povos da floresta”. Daí dizermos em alto e bom tom: Não há defesa do Cerrado sem os povos do Cerrado.

O conhecimento de nossos povos e etnias desenvolvido com o Cerrado é essencial para sua preservação. Com todo o respeito que nutrimos pelo saber cien tífico sabemos que o conhecimento e a sabedoria desenvolvidos há milênios e séculos pelos camponeses e indígenas é um acervo fundamental que colocamos a disposição para um diálogo com qualquer outro saber.

Daí a convicção que temos da importância de nosso conhecimento, reconhecido por vários cientistas e pesquisadores do Brasil e do exterior, surgiu a idéia de lutarmos por Reservas Extrativistas no Cerrado. Desde o início dos anos 1990 que vimos nessa luta, sabemos que a política socioambiental não pode se restringir à punição e à fiscalização. Ela tem que ser propositiva e ser positiva. Para isso propomos as Reservas Extrativistas onde nosso conhecimento tradicionalmente desenvolvido pode contribuir para a preservação e conservação do Cerrado garantindo uma vida digna para seus povos.

Todavia como andamos?

No balanço que fizemos nesses dois dias de trabalho intenso constatamos que nas 30 Resex’s, tanto nas já decretadas como nas que estão em processo de reconhecimento e regularização, a situação das comunidades foi sensivelmente deteriorada pelo completo descaso das autoridades, sobretudo em resolver o problema fundiário, esse nó estrutural que impede até hoje que a sociedade brasileira seja mais justa e feliz.

O fato dessas áreas terem sido decretadas ou estarem em processo de decretação sem que o problema fundiário tenha sido resolvido, tem feito com que os fazendeiros que deveriam ser indenizados pelo poder público, passem a impedir que a população local tenha acesso para a coletar o baru, o pequi, a fava d’anta, o babaçu e mais de uma centenas de outros produtos com que temos sobrevivido e oferecido à sociedade alimentos, remédios e bebidas.

Desde que o ICMBIO foi criado em 2007 nenhuma Resex foi criada no Cerrado. Olhado da perspectiva dos Povos do Cerrado o ICMBIO não faz jus ao nome de um dos nossos companheiros que morreu por sua justa luta, para afirmar um paradigma, onde a defesa da natureza não se faça contra os povos mas, ao contrário, se faça através deles. Em função dessa omissão das autoridades cuja responsabilidade pública as obriga a zelar pelo patrimônio natural, uma das entidades de nossa articulação entrou com uma ação pública civil junto ao Ministério Público. Todavia, passado 1 ano sequer nossa ação mereceu qualquer resposta por parte do Ministério Público, apesar de ser uma denúncia de prevaricação de um órgão público. A julgar pelos dados oficiais que nos informam que no último ano foram desmatados somente no Cerrado 646 mil hectares, o que perfaz um total de 1.772,33 hectares por dia, podemos dizer que a cada dia que o Ministério Público deixa de se pronunciar e, assim, de julgar o crime de prevaricação, deixa de evitar que mais de mil e setecentos hectares sejam desmatados diariamente. A palavra está com o Ministério Público enquanto a nossa realidade espera com devastação e insegurança. Tudo isso alimenta um lamentável clima de impunidade.

Ignora-se que muitos remédios que curam o glaucoma, a hipertensão arterial dependem de frutos colhidos por nós, como é o caso faveira/fava d’anta de onde se extrai mais de 90% da rutina, substância química para esses remédios. Ignora-se, e por ignorância alimenta se o preconceito, que essas populações podem viver dignamente dessas atividades, como provamos que numa área com 4 árvores adultas de baru se obtém mais renda do que em um hectare plantado com soja.

Enfim, precisamos ter uma política que dialogue com nossa cultura, com nossos povos para que se tenha um viver bem com justiça social e responsabilidade ecológica. Mas para isso é preciso que as autoridades viabilizem as Resex’s no Cerrado. Toda nossa mobilização encontra a desculpa pouco crível da falta de recursos. Bem sabemos que se há falta recurso é preciso estabelecer prioridades. Isso é fundamental na política. Desse modo, a falta de recursos acaba sendo a confissão pública de que as Resex’s no Cerrado não são prioridade. Mas sabemos que o argumento da falta de recurso é um argumento em si mesmo falso. Afinal, o governo tem anunciado publicamente sua eficiência no recolhimento dos impostos que a cada ano engorda mais a receita federal. O nosso governo tem anunciado ainda os sucessivos saldos, nas contas externas, como prova de seu êxito. Se tanto êxito há na entrada de divisas no país e no recolhimento de impostos da receita federal como se sustenta o argumento de que não há recursos?

Mais grave ainda, é o fato de que aqueles que como nós, vimos lutando por essas reservas extrativistas estamos expostos à truculência não só dos fazendeiros que nos impedem o acesso das áreas onde tradicionalmente colhemos, como também da expansão do latifúndio da monocultura de exportação de soja, da monocultura de algodão, da monocultura de eucalipto, da monocultura de pinus, da monocultura de girassol, da invasão de madeireiros, da expansão de carvoarias para fazer carvão para ferro gusa e exportar minério puro para mineradoras que vem crescendo sobre nossas áreas da pressão para a construção de barragens que, via de regra, servem de base para a exploração mineral para exportação. Todos esses setores foram nominalmente citados na avaliação criteriosa das ameaças de cada uma das Resex’s criadas e em processo de criação nos cerrados.

A truculência dos que ameaçam se concretiza na ameaça de morte aos nossos companheiros e companheiras que se vêem obrigados, tal e como na época da ditadura, a viverem escondidos longe de suas famílias. Exigimos das autoridades todas as providências para a garantia das vidas de Osmar Alves de Souza do município de São Domingos/GO; de Francisca Lustosa do município de Tanque/PI, Maria Lucia de Oliveira Agostinho, município de Rio Pardo de Minas/MG; Neurivan Pereira de Farias, município de Formoso/MG, Wedson Batista Campos, município de Aruanã/GO; Adalberto Gomes dos Santos do município de Lassance/MG; Welington Lins dos Santos, município de Buritizeiro/MG; Elaine Santos Silva, município Davinópolis/MA; José da Silva, município de Montezuma/MG.

Responsabilizamos antecipadamente as autoridades pelo que vier acontecer com a vida desses companheiros e dessas companheiras, cujo único crime tem sido o de lutar pela dignidade de suas famílias através da Resex’s. Não queremos que o nome desses companheiros e companheiras venha a se somar ao de Chico Mendes, ao de Dorothy Stang e aos quase 2000 assassinados no campo brasileiro desde 1985, conforme vem acompanhando a Comissão Pastoral da Terra. Temos todas as condições com as Resex’s de oferecer condições de vida digna, com justiça e equidade social com a defesa do Cerrado.

Não queremos que nossas famílias venham engordar os dados estatísticos dos que dependem da bolsa família, ou outras bolsas para viver. Respeitamos essa política, até porque a temos como uma conquista do povo brasileiro, mas não vemos com bons olhos o aumento do número dos que vivem dela. A Resex é uma maneira mais sustentável de garantir a sobrevivência digna, como é a reforma agrária. Chico Mendes, dizia que a “Resex era reforma agrária dos seringueiros”. E nós afirmamos que a Resex é a forma de ampliar o significado da reforma agrária ao lhe dar sentido ecológico e cultural.

Este ano o Brasil estará recebendo não só governantes de todo o mundo como diversas populações de todo o planeta na Rio+20. Assim como nós, vários grupos sociais da África, da Ásia e na América Latina que vem sofrendo com avanço sobre suas terras de um agro negócio devastador e uma mineração voraz de minérios e água estarão também aqui presentes.

Esperamos que as autoridades brasileiras estejam a altura de suas responsabilidades de estarem à frente do maior país tropical do mundo e onde se encontram as maiores reservas de água do planeta. Que honre esse fato de ser a tropicalidade caracterizada pela enorme diversidade biológica e que ainda honre por zelar pelo enorme acervo de conhecimentos que está entre as quebradeiras de coco de babaçu, os vazanteiros, os retireiros, os caatingueiros, os pescadores, os geraizeiros para ficarmos com alguns grupos sociais dessa enorme sociodiversidade do Cerrado.

A diversidade biológica e a sociodiversidade, para nós indissociáveis, não podem continuar sendo retórica nos documentos oficiais, sem que haja o rebatimento no orçamento para garantia de solução da questão fundiária. De nada adianta falar de rica biodiversidade se não se garante no orçamento dinheiro para compra de terras.

Sabemos que nossas caras não são as caras que frequentam as páginas nobres das principais revistas e jornais do país. Somos em nossa maior parte mestiços, mulatos, cafuzos, negros, índios, brancos pobres muitas vezes com a cara suja de carvão.

Sabemos que o Cerrado tem sido oferecido aos grandes latifúndios do agronegócio, que não só produzem muitas toneladas de grãos, de pasta de celulose, de carnes para exportação como também produzem muita poluição e muito desperdício das águas, produzem muita erosão, produzem monocultura onde há muita diversidade de plantas e animais e ainda produzem muito/as trabalhadore/as rurais sem terras com a concentração de terras e concentram poder econômico e político e, assim, contribuem para por em risco a democracia. Basta ver o poder que têm as empresas de mineração e dos agronegociantes para fazerem propaganda, financiarem noticiários nas rádios, jornais e TV’s onde, via de regra, somos criminalizados e vistos como aqueles que querem impedir o progresso, como se só houvesse uma maneira de progredir, e como se fôssemos o lado errado. [grifos do Blog]


No entanto, estamos aqui cônscios de que temos muito a dar ao Brasil, à humanidade e ao planeta. Nossa luta não será em vão e, por isso, dizemos com o poeta:

“Nem tudo que é torto é errado,
veja as pernas do Garrincha
e as árvores do Cerrado”. Nicolas Behr

Viva o Cerrado!
Viva os Povos do Cerrado!
O Cerrado não vive por si só!
Que a Rio+20 seja a confluência dos diversos rios de resistência pela cultura e pela natureza!

Assinam:
Rede de Comercialização Solidária de Agricultores Familiares e Extrativistas do Cerrado
Resex Mata Grande, Davinopólis/MA
Resex Lago do Cedro, Aruanã/GO
Resex Recanto das Araras de Terra Ronca, São Domingos/GO
Resex Chapada Limpa, Chapadinha/MA
Resex Chapada Grande, Tanque/PI
Resex Galiota e Córrego das Pedras, Damianopólis/GO
Resex Contagem dos Buritis, São Domingos/GO
Resex Rio da Prata, Posse/GO
Resex Tamanduá/Poções, Riacho dos Machados/MG
Resex Sempre Viva, Lassance/MG
Resex Serra do Múquem, Corinto/MG
Resex Barra do Pacuí, Ibiaí/MG
Resex Três Riachos, Santa Fé de Minas/MG
Resex Brejos da Barra, Barra/BA
Resex Serra do Alemão, Buritizeiro/MG
Resex Curumataí, Buenopólis/MG
Resex Retireiros do Médio Araguaia, Luciara/MT
Resex Areião e Vale do Guará, Rio Pardo de Minas/MG
Cooperativa Mista de Agricultores Familiares, Extrativistas, Pescadores, Vazanteiros e Guias Turísticos do Cerrado – COOPCERRADO
Cooperativa Grande Sertão
Cooperativa de Agricultores Familiares Agroextrativistas de Água Boa II
Associação dos Moradores agricultores familiares de Córrego Verde
Associação dos Retir eiros do Médio Araguaia
Associação dos trabalhadores da reserva extrativista Mata Grande/MA
Movimento das Quebradeiras de Coco Babaçu
Associação dos agricultores familiares trabalhando junto
Colônia de Pescadores de Aruanã/GO
Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Riacho dos Machados/MG
Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Lassance/MG
Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Buritizeiro/MG
Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Jequitaí/ MG
Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Santa Fé de Minas/MG
Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Ibiaí/MG
Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Montezuma/MG
Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Davinopólis/MA
Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Tanque/PI
Coordenaçã o do Pólo Sindical do Pólo de Oeiras/PI
Centro de Desenvolvimento Agroecológico do Cerrado – CEDAC
Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas Gerais – CAA
Projeto Chico Fulô
Universidade Federal Fluminense
Federação dos Trabalhadores Rurais de Minas Gerais – FETAEMG

Enviada por Carlos Alberto Dayrell.

domingo, 2 de janeiro de 2011

Dilma Lá


Eu estou feliz com a posse da Dilma.
Não só por ser a primeira presidente mulher do Brasil.
Mas porque um dia ela esteve nos porões do DOPS.
Apesar das expectativas e dos receios,
a democracia no Brasil se fortalece.